sexta-feira, 23 de setembro de 2011

ARTIGO REVISTA GLOBO RURAL - OUTUBRO/2011

DIREITOS E DEVERES: QUEM PAGA? 
* Roberto Rodrigues
 Tenho participado de muitos eventos, pelo mundo afora, discutindo o tema da sustentabilidade da produção agrícola e é notável como os acadêmicos especialistas indicam as soluções mais evidentes para o problema.
É fácil: basta que os agricultores produzam com respeito ao meio ambiente e garantam o bem estar de todos que trabalham na atividade (aliás, isto está determinado pela Constituição de 1988), que façam rastreabilidade de modo a garantir a certificação de seus produtos; que usem as mais modernas tecnologias, comprando insumos e vendendo a produção em setores concentrados; devem evitar o uso de transgênicos, de agrotóxicos, de fertilizantes químicos, da água; precisam reduzir a emissão de CO2 dos tratores, colheitadeiras e caminhões. Devem ainda priorizar a produção de orgânicos e cuidar do bem estar dos animais. E pagar altas taxas de juros para os bancos e impostos para o governo. Nem pensar em reduzir o protecionismo dos países ricos a seus agricultores, brigando na OMC.
Em suma, é preciso produzir cada vez mais por hectare, produtos de melhor qualidade a custos menores por unidade e sem afetar o meio ambiente. E os produtores brasileiros querem fazer isso para atender ao mercado interno e externo com excelência.
Parece impossível, mas não é, desde que exista uma logística adequada para o escoamento da safra, uma boa infra-estrutura de armazéns, energia barata, políticas de renda que garantam preços mínimos remuneradores e um seguro rural capaz de bancar desastres climáticos ou mercadológicos; se houver ainda uma política comercial que permita a abertura de mercados, sobretudo com maior valor agregado, se cuidarmos decentemente da defesa sanitária e se os investimentos em tecnologia crescerem .
O formidável conjunto de obrigações e deveres impostos ao produtor lembra o crescimento dos direitos conquistados, a duras penas, por sindicatos laborais de alguns países ricos. A desproporção entre os direitos e deveres estabelecida tem produzido um desinvestimento empresarial, o que acaba reduzindo a criação de empregos, de modo que a criatura devora o criador.
Claro que estamos longe disto na atividade rural, mas é preciso ter cuidado. No Brasil há um esforço estranho para colocar produtores e consumidores em antagonismo, quando ambos são partes do mesmo corpo: a sociedade toda. Um não vive sem o outro. Aliás, todo produtor é também consumidor e pensa como tal, de modo que ambos devem partilhar direitos e deveres.  A fundamental defesa do meio ambiente, por exemplo, é quase inteiramente cobrada do produtor rural, quando o cidadão urbano também tem responsabilidade nisso. Um bom exemplo é o da água: agricultura não consome água, usa-a, recicla-a. Um pé de milho, ao completar seu ciclo de vida, seca completamente, devolvendo quase toda a água que usou para a natureza, exceto a contida nos grãos de milho, que servem para preservar a vida humana, direta ou indiretamente. Por outro lado, volumosos esgotos das cidades, contaminados e poluídos, dificultam a recuperação da água.
É preciso muito equilíbrio, inteligência e bom senso. Obrigações de uns e outros devem ser balanceadas com os respectivos direitos. Se um é muito maior que outro, não há estabilidade e o futuro fica incerto. Não há sustentabilidade.
É sempre bom lembrar a poderosa frase de William J. Bryan: "se queimarmos os campos e preservarmos as cidades, estas também perecerão; mas se preservamos os campos e queimarmos as cidades, estas renascerão"... 


* Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior de Agronegócio da FIESP e professor de Economia Rural da UNESP/Jaboticabal

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